domingo, 18 de fevereiro de 2007

Estado de Paz - 24

Obrigado pela tua vida. Há coisas que por muito explicadas que estejam e sejam, ainda assim permanecem um mistério. Assim é a vida. Ainda não se sabe muito bem onde começa e onde acaba mas o processo permanece perfeito, pois a falta de conhecimento não é impedimento para que surjam novas vidas e que outras nos deixem. É pena que muito assuntos realmente profundos e basilares na nossa existência se resumam a discussões de SIM ou NÃO. A discussão é saudável mas não deve ser um fim em si mas um meio. Não vi serem discutidos os objectivos, meios, apoios, programas, formações, ideias, de como se pretende baixar nos próximos 20 anos a necessidade de se recorrer ao aborto. Em todo processo faltou serenidade e convergência. Convergência não no que em cada um acredita, mas no essencial, isto é, querem sejam a favor do sim ou do não, não se revêem no aborto recorrente como solução para os problemas, sejam quais forem as origens desses problemas. Por exemplo, sendo o nosso país maioritariamente católico e se a igreja se pronuncia num dado sentido, se a convicção de alguém for noutro sentido entra em conflito consigo mesma. A sua consciência diz uma coisa mas não quer entrar em conflito com Deus e a igreja (que também são parte da sua convicção) e não se consegue conciliar as duas vertentes dentro do mesmo coração e na mesma mente. Em qual das opções votará esta pessoa? Acredito que uma boa parte da abstenção é composta por pessoas completamente divididas, que não sabem se hão-de dar ouvidos a si mesmas, ou seguir os conselhos de alguém em quem têm a maior confiança.
Pessoalmente não me interessa quem tem razão, o SIM ou o NÃO. Interessam-me apenas as razões e mazelas de quem recorreu, recorre ou venha a recorrer. Ainda vivemos com medos profundos, aterrorizados pela vergonha de um acto, recriminação, olhares incriminatórios. E num momento de maior fragilidade, onde todo o apoio sabe a pouco mas vale muito, são mais os que ajudam a estigmatizar que os que ajudam a evitar que aconteça. Teria sido muito mais interessante o governo em conjunto com a Assembleia de República ter decidido esta questão, e feito um referendo com outras perguntas:
Aceita o aborto como prática comum de controlo de natalidade?
Aceita a penalização criminal de quem recorre ao aborto?
Aceita a discriminação social de quem recorre ao aborto?
Aceita o envergonhar publicamente de alguém que recorreu ao aborto?
Aceita a culpabilização de alguém que recorreu ao aborto?
Sabe quantas vezes a sua mãe recorreu ao aborto?
Sabe quantas vezes a sua agora esposa recorreu ou irá recorrer ao aborto?
Sabe quantas vezes a sua filha recorreu ou irá recorrer ao aborto?
Sabe quantas vezes a sua neta recorreu ou irá recorrer ao aborto?
Para mim, o sentido da educação e do crescimento pessoal e colectivo deve ser orientado para a auto-determinação. Cada indivíduo é responsável pela sua saúde e de quem o rodeia, é responsável pelo seu bem-estar e de quem o rodeia, é responsável pelas suas decisões e de como afectam quem o rodeia, é responsável pela sua irresponsabilidade e respectivas consequências, é responsável pela resolução dos seus sentimentos de culpa, medos que o afectam e zelar para que o mesmo aconteça a quem o rodeia. E assim, de forma egoísta, cada um olha por si olhando pelos outros. Paz é a capacidade de amar todas as possibilidades da vida, mesmo aquela que nos pareça menos correcta.

A continuar…

M.A.S.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

Estado de Paz - 23


Obrigado por ti. Afinal, a tua existência sempre tem um significado para alguém. Ou pensavas que eras tão insignificante ao ponto de pensares que existires não faz diferença para ninguém? Todas as coisas têm um significado para além das aparências, do mundo da ilusão. Tudo o que conhecemos como realidade são, afinal, símbolos. Pequenos, ou grandes, simples, ou complexos, códigos que encerram uma única finalidade. O código nunca é o fim em si, o objecto em si, o sujeito em si. Um exemplo é a assinatura. A assinatura é um código, um símbolo, uma representação simbólica, uma extensão de alguém, e não a pessoa em si. A pessoa faz-se representar, anunciar a sua presença, e/ou conhecimento, e/ou consentimento, através da assinatura. E, nalguns casos, tem a mesma força, o mesmo significado da presença física, actual naquele momento, da pessoa. Poderemos dizer, então, que as pessoas são assinaturas? Ou que as assinaturas são pessoas? Não faz sentido. Na nossa mente está clara a distinção entre uma coisa e outra porque aprendemos e interiorizámos esta representação simbólica.

Mas, há mais representações. Uma fotografia. O que é uma fotografia? É uma representação de um momento do passado, um registo, uma memória, que é possível transportar e apresentar no presente. Mas a fotografia é o momento em si, ou sendo um retrato, é a pessoa em si? Não é. Mas, nalguns casos, tem a mesma força e valor da presença física da pessoa. Poderemos dizer, então, que as pessoas são fotografias? Ou que as fotografias são pessoas? Não faz sentido. Mais uma vez porque aprendemos e interiorizámos este conceito banal. E se em vez de uma fotografia fosse uma filmagem em vídeo? É muito semelhante, e poder-se-ia dizer e aplicar o mesmo ao filme. Contudo, existem representações simbólicas que ainda não foram interiorizadas, não fazem parte do nosso consciente. E se em vez de uma câmara de filmar, falarmos dos nossos olhos? O que vemos é um registo e em cada instante registado como uma memória. Essa memória é o momento em si? Já vimos que não. Mas pode ter a mesma força, o mesmo significado do momento em si. Então, tudo na vida, é uma representação simbólica, a escrita, a imagem, o próprio conceito de comunicação. Representar, ou melhor re-presentar, é voltar a fazer presente. O prefixo “re” significa outra vez, de novo. Aquilo que concebemos como presente é uma repetição simbólica do verdadeiro Presente, do Presente real. É como se existisse uma realidade que para a vermos a tivéssemos que encenar em cada instante e chamássemos a essa encenação: presente. Assim, a realidade (como a concebemos) não é real. Se não é real é simbólica, é uma ilusão. Mas nem sempre a ilusão tem o propósito de enganar. Pode apenas ser uma forma mais simpática e prática de apresentar algo. É desta forma que vejo tudo e toda a gente. Seres e acontecimentos simpáticos, ou não, mas cuja existência real está muito para além da aparência, da ilusão a que chamamos realidade. Todos estes seres e situações, acontecimentos, são extensões da verdadeira (e única) realidade que se manifesta em tudo e em todos simultaneamente. No fundo, tudo aponta para que sejamos todos Um, um por todos e todos por um. E assim a tua existência é de facto significativa na vida de cada um, e a existência de cada um é de facto significativa na tua vida. Por isso, qualquer guerra é sempre um auto-prejuízo Qualquer exclusão é uma auto-exclusão. Qualquer discriminação é um pedaço de si próprio que se tira.

Paz é a prática da Realidade manifestada no mundo da ilusão. A Realidade é o Amor. A prática constante do amor transcenderá a necessidade da ilusão.

A continuar…