segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Estado de Paz - 15

Obrigado pelo aprendizado que nasce da nossa interacção. Hoje falarei de culpa, afinal, não há desculpa para não se falar de culpa. A culpa é um conceito que vive indissociável do erro e do julgamento. Mas não só. É um conceito útil que conjuntamente com o medo serve como ferramenta de manipulação e subserviência. Quanto mais culpado se sentir e se assumir o suposto infractor mais dificuldade terá em sair da amarra da necessidade de se libertar da culpa. A culpa surgiu com um serviço associado. É um serviço de utilidade pública, aberto, é o da salvação e da redenção. Este serviço é normalmente proposto e executado pelos criadores e mentores do conceito “culpa”, que ficam assim com o monopólio e controlo sobre todos os que se sentem culpados de algo e querem ver expiadas essas culpas. Como todos os bons comerciais sabem, o bom negócio é aquele que usa consumíveis, porque é necessário ir repondo esse bem, logo tem sempre saída. Como por exemplo os produtos alimentares. Também na culpa convém ter-se uma visão de um bem consumível (ou será mal consumível?) para dar continuidade ao processo e não se perder a clientela. Por isso convém levar a culpa para algo transcendente, algo de impalpável no domínio da fé, para que não seja fácil provar-se que, afinal, não há nada do qual se sentir culpado(a). E mesmo que haja algum motivo para isso, que a culpa seja tratada como uma ferramenta de solução e não de martírio e desgaste emocional.
Um dos meus paradoxos favoritos é o da salvação pelos céus à qual grande parte da população mundial apela. Metem a mão no peito, assumem culpas diversas, e olham para os céus em busca de salvação e redenção. O paradoxo está em que aqueles a que chamam Salvador (cada religião tem o seu), afinal não vem dos céus, mas é alguém que aparece ao lado, de carne e osso, passando pela mesma realidade física, local, tradições etc. Então se cada religião, ou regime de crenças, já viu que os seres que representam e que denominam de salvadores estiveram e estão entre nós, vivos e encarnados, para quê alimentar a culpa e colocar a salvação no inatingível? Cada um que responda por si. Eu sinto que a resposta vem de dentro e não de fora. E ao manifestar-se dentro se manifestará fora. E que se aquele(a) que me traz salvação é alguém que desde sempre veio do meio que me/nos rodeia, então eu faço parte dessa salvação também e interajo com ela. Assim, no meu silêncio, limpo as minhas culpas com perdão pessoal, de coração, sentido e intencionado. Revejo a minha ligação a todos os que estão à minha volta, a minha interacção com eles para que descubram no seu silêncio os seus medos e os perdoem de coração. Não há mais necessidade de voltar a sentir-se culpado(a), porque a fonte da culpa foi transformada em fonte de soluções. E pouco a pouco somos os “salvadores” de nós próprios como desde sempre foi ensinado e tantas vezes deturpado. A solução vem de nós, e da interacção com o meio que nos rodeia. O céu é um ponto de fuga. A fuga é a não aceitação de si. Cada vez que apela a salvação ao céu é sinal que não se aceita. Paz é a capacidade de apelar a si próprio em ligação a todo o resto, a solução dos problemas que carrega. Paz não é responsabilizar-se pela vida dos outros, mas sim pela sua própria e pelo seu contributo para a vida dos demais, com respeito pelas suas opções. Um bebé quando começa a caminhar e cai várias vezes, não o culpamos mas estendemos-lhe a mão para que se levante e tente novamente.

A continuar…

M.A.S.

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