segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Estado de Paz - 9

Obrigado por continuares por cá. Vivo(a) quero eu dizer. Em tempos tão difíceis como os actuais, de tanta gente perdida nas ilusões da vida, é uma honra ter-te ao meu lado, vivo(a) quero eu dizer. Obrigado por seguires os meus artigos. Não que eu queira ser seguido, ou seguir alguém, quero sim contribuir para tirar o “gui” do Seguir. E participar da festa que é alguém descobrir-se, ou melhor reencontrar-se, devolvendo-se a si mesma. Não que estivesse perdida, não que tivesse ido a algum lado sem encontrar o caminho de volta, simplesmente porque se esqueceu de quem era, e nada mais. Esta é a era dos reencontros, dos reencontros com a memória e da dissipação das ilusões. Mas afinal o que é isto do esquecimento, e da ilusão? Eu conto-vos a história de Lúcio. “O Lúcio era uma criança como tantas outras, sensível ao que se passa em seu redor, mas vivendo na inocência do seu estado de criança. Certo dia, no regresso a casa, reparou que umas máquinas grandes como nunca tinha visto, entravam num terreno próximo. O terreno era grande, verdejante, cheio de flores e borboletas, com pequenos montes e algumas árvores dispersas. Lúcio conheceu sempre aquele terreno daquela forma, com aquelas árvores, com aqueles montes. Via, agora, aquelas máquinas ruidosas a entrarem e a revolverem tudo. Os pequenos montes foram destruídos. A relva desaparecia à medida que ia sendo revolvida. As árvores foram sendo cortadas uma por uma. Para o pequeno Lúcio tudo aquilo foi um acontecimento perturbador. Como podia algo tão belo, tão natural, ser destruído daquela forma, sem razão aparente, tão rápido, tão sem aviso. Foram imagens que marcaram bastante o Lúcio. No dia seguinte, ao passar novamente pelo local, na sua rotina diária, ficou ainda mais confuso e perturbado. Não bastava tudo ter sido destruído e revolvido, o terreno tinha ficado todo esburacado, cheio de valas, num cenário ainda mais aterrador. Quando parecia que pior não podia acontecer, eis que acontecia. Foi de tal modo marcante a situação que o Lúcio decidiu mudar de rumo nas suas deslocações, e começou a evitar o local. Tudo correu bem até que certo dia, apanhando boleia de um colega, viu que iria passar no local. Rapidamente a sua cara se entristeceu e pediu para não irem por lá. Mas como era o caminho mais rápido, lá teve que ser, e o Lúcio teve que enfrentar o seu medo de voltar a olhar para o terreno destruído. Quando passaram naquele local, estava lá algo diferente, para surpresa de Lúcio, cujos olhos estavam mais abertos que uma janela num dia de sol. No lugar dos buracos, tinha sido construída uma escola, com um pequeno jardim à frente e baloiços. Seria aquela a futura escola de Lúcio.” – fim da história. Esquecemo-nos que os Lúcios somos nós todos. Pela inocência de uns, medos e traumas de outros, ou por desgosto, interpretamos os acontecimentos que nos rodeiam e cuja explicação nos ultrapassa, como destrutivos, cada vez pior, cujo desfecho nos parece apocalíptico, o fim-do-mundo. E tão mau nos parecem, que optamos por fazer coisas que nos distraiam para não termos que enfrentar esse aparente desfecho, porque nos parece demasiado forte emocionalmente. Mas será que é assim? A destruição que os Lúcios vêem é apenas uma ilusão porque o que está a haver é uma transformação, uma modificação, uma mudança. O caminho alternativo é uma ilusão, porque foi tomado para não enfrentarmos o que afinal era também uma ilusão. As valas que vemos não são para cairmos ainda mais fundo na vida, são os alicerces de uma construção que tem que ser enraizada na terra, para ser sólida e suportar o que depois virá. Para muitos Lúcios o que depois virá será a consciência que esta experiência foi uma grande lição na escola da vida. E que afinal somos todos arquitectos. Construímos vidas, construímos seres maiores porque fazemos parte desta mudança. Parte activa. Muitas vezes ignoramo-lo, pensando que é impossível eu ser co-responsável de algo tão grandioso. O estado de grandiosidade é um estado de perspectiva. Se não soubermos ver além da aparência de cada momento e se nos afastarmos em fuga do mesmo, perderemos a festa da inauguração desta construção magnífica que é viver em paz. Paz é a capacidade de ter confiança no projectista, amar cada momento por mais doloroso que se apresente, e viver em serenidade porque se aproxima o dia da inauguração.

A continuar…

M.A.S.

Sem comentários: