segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Estado de Paz - 5

Obrigado por trazeres a este mundo a originalidade da tua existência, e a riqueza imensa que é a singularidade da tua vida. Não há sinfonia no universo que não seja composta por notas singulares. A arte da sinfonia consiste em criar uma melodia, relacionando as notas umas com as outras de uma forma harmoniosa. As notas podem ser tocadas individualmente ou em simultâneo, sem que com isso se perca a harmonia. Os sons são, então, caracterizados por altura (agudos e graves), duração, intensidade e timbre. A vida e a música misturam-se na sua essência. Somos todos notas, responsáveis pela harmonia da sinfonia. Temos, cada um, características físicas e emocionais próprias que são a nossa altura e timbre. Temos, cada um, um papel a desempenhar, um tempo para agir activamente e um tempo para agir passivamente. Por outras palavras, há um momento para se fazer ouvir e um momento para se estar em silêncio. As pausas não são falhas na música. São intervalos propositados da construção da harmonia. Não são passividade da nota.
Na música, como na vida, basta um pequeno passo para passar da harmonia para o ruído. Basta uma nota que decidiu tocar na vez de outra; uma nota que teima em não dar a vez à próxima; ou outra que entrou fora de tempo, ou até notas que entram na música errada. Mas o pior de tudo é quando as notas, estando prontas em potencial, com as suas características presentes para entrar em acção, se esquecem que notas são. E passamos a ter sons desarticulados, individualistas, cada um a tocar para seu lado, e outros a tocar para si próprios. O que é que acontece se fecharmos as notas todas dentro de uma caixa, durante tempo demais, e ao fim desse tempo se vira a caixa para baixo e abre uma pequena porta? As notas caiem todas quase de uma só vez, esquecendo-se que eram notas, que deviam respeitar certos princípios, e também a si mesmas, para se criar a harmonia.
O que acontece a um povo, que outrora foi uma sinfonia de perfeição divina, cujas notas chegaram e soaram em todo o mundo, e que, aos poucos, foi pondo de lado os instrumentos nobres e trocando-os por reles amostras, acabando, por fim, por ser fechado numa caixa chamada Portugal por alguém que se julgava o maestro “Só-Azar”, mas que num golpe de sorte e histórico viu, este povo, ser aberta uma pequena porta num dia 25 de Abril? O que acontece? Acontece que as notas saíram todas ao mesmo tempo, sabendo que a música agora era outra, e passaram do silêncio forçado ao ruído estridente. Não houve a serenidade de transformar e organizar as notas liberadas em melodias. E, passados cerca de 30 anos, o que devia dar origem à oportunidade deu ao oportunismo, o que devia ser liberdade passou a libertinagem, o que devia ser liderança passou a dirigismo.
Como sair disto? Mais do que procurar maestros, normalmente designados ministros, para resolverem tudo, para responsabilizar e culpabilizar se não resolvem, é necessário cada um voltar a descobrir a nota que é. Se o maestro precisa do SOL, mas este lhe calha a SI, tenha DÓ, que MIlagres ele não FÁz Para além de se lembrar que nota se é, tem que se respeitar que o outro seja uma nota diferente, e toque numa altura e intensidade diferente da nossa. Nenhuma nota é comparável a outra. O maestro, porém, e partindo do princípio que percebe de música, pode ser catalizador e acelerar todo este processo. Precisa Portugal, assim, de notas, também musicais, que sejam líderes de si próprias e disciplinadas a tocar num todo e a contribuir para o todo, e de um maestro líder de si próprio, que pegando na entrega de cada nota e contributo individual, o sublima transformando-o num colectivo harmonioso chamado música. E do equilíbrio do serviço de cada nota individual, se equilibra a harmonia final e se cumpre Portugal.
Paz é a capacidade que cada um tem de se libertar do som tosco que pensa que é e voltar a soar harmoniosamente. Já falei das notas, falta completar dizendo qual é o instrumento. O instrumento pelo qual as notas se fazem harmoniosas é a Ética. Se se fizer soar uma nota límpida num instrumento sujo, só sai ruído, mas com ética a nota soa Cristal. Sê a nota maravilhosa que sempre foste, embora durante um certo tempo disso tenhas duvidado.

A continuar…

M.A.S.

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